Resenha crítica do capítulo III (Bachelard)


 CAPÍTULO III - “A gaveta, os cofres e os armários” (livro "A poética do espaço", de BACHELARD)

Autores da resenha: Juliana Rossi Gonçalves e Pedro Romão Mickucz

  

Referência do texto: BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Trad. Antônio da Costa Leal; Lídia do Valle Santos Leal. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984.

 

Desenvolvimento do texto

Na introdução, Bachelard já sintetiza que as gavetas, os cofres e os armários são como a “casa das coisas”. Desvelando a estética do escondido. (BACHELARD, 1984, p. 197).

No capítulo, Bachelard discorre de forma poética sobre as estruturas dos móveis do interior da casa: a gaveta, os armários, os cofres e as fechaduras.

Inicia o capítulo confirmando os sentidos das palavras, seja de seu uso pejorativo por um grande escritor (o que lhe causa grande sofrimento), seja de seu uso cotidiano e ligado às realidades comuns, que “não perdem por isso suas possibilidades poéticas” (BACHELARD, 1984, p. 245).

Ao longo do capítulo aciona diversos escritores e poetas para discorrer sobre a imagem e a metáfora, perpassando pelos conceitos de intimidade e imaginação.

A imagem retira todo o seu ser da imaginação, apesar de ser obra da imaginação absoluta.

A metáfora dá um corpo concreto a uma impressão difícil de exprimir; é “uma imagem fabricada, sem raízes profundas, verdadeiras, reais” (BACHELARD, 1984, p. 245). É possível defini-la como uma expressão efêmera, que deve ser pensada (mas não demais) e “temer que aqueles que a leem não a pensem” (BACHELARD, 1984, p. 245).

Diz que as metáforas são abundantes a partir dos pensamentos do filósofo e diplomata francês Bergson. Que as imagens são raras, e a imaginação é metafórica. Na relação entre metáfora e imagem, diz: “A metáfora é uma falsa imagem já que não tem a virtude direta de uma imagem produtora de expressão, formada no devaneio falado” (BACHELARD, 1984, p. 247).

Utiliza-se da filosofia bergsoniana quando fala da metáfora da gaveta – a memória não é um recipiente de classificações de lembranças, mostrando a pobreza da imagem que quer que haja "aqui e ali no cérebro caixas de lembranças que conservariam fragmentos do passado" (BACHELARD, 1984, p. 246), como uma espécie de gaveta cerebral. A memória tampouco é um armário de lembranças.

Segundo o autor, a metáfora das gavetas é um “Instrumento polêmico rudimentar”, pois perde sua espontaneidade de imagem, imagem estereotipada de conceitos que servem para classificar os conhecimentos. Bachelard (1984, p. 246) afirma que “Para cada conceito há uma gaveta no móvel das categorias. O conceito é um pensamento morto, já que ele é, por definição, pensamento classificado.”

As gavetas, os cofres, fechaduras e armários remetem a imagens, espaços e devaneios da intimidade, esconderijos onde o homem dissimula ou encerra seus segredos. Sem esses objetos, a vida não teria modelo de intimidade – são objetos-sujeitos – “O armário e suas prateleiras, a escrivaninha e suas gavetas, o cofre e seu fundo falso são verdadeiros órgãos da vida psicológica secreta” (BACHELARD, 1984, p. 248).

Bachelard analisa que as palavras poeticamente “dominadoras” habitam nas palavras com pequenas silabas. Assim como no interior de pequenos objetos se tornam profundos quando analisados pelo poeta. A potencialidade do armário em abrigar a ordem e proteger a casa de uma desordem. (BACHELARD, 1984, p. 249-250).

Esses móveis são o “testemunho sensível de uma necessidade de segredos, de uma inteligência do esconderijo” (BACHELARD, 1984, p. 250). O poder de vida, poder humano é o que abre e fecha a fechadura. Aciona a psicologia quando faz homologia entre a psicologia do segredo e da alma fechada – “Poderíamos dizer, da mesma maneira, que os escritores nos dão seu cofre para ler” (BACHELARD, 1984, p. 251).

Ao abordar a chave e fechadura, confirma que a psicanálise evidencia símbolos sexuais, mascarando a profundidade dos devaneios da intimidade. Mas a chave também age sozinha – um pensamento secreto encontra a imagem do cofre, seguindo o preceito do cofre rilkiano (poeta de língua alemã Rilke). O devaneio, vivido pelos poetas e que permanece no mundo, “abre os cofres, condensa as riquezas cósmicas num pequenino cofre. (...) (O poeta) acumula o universo em torno de um objeto, num objeto” (BACHELARD, 1984, p. 252).

A psicanálise analisa os objetos, já poesia ultrapassa esses limites. Amplia a experiencia e a relação com esse objeto.

Numa analogia que talvez poderíamos fazer com o patrimônio, Bachelard descreve que o cofre é a memória do imemorial, pois “No cofre estão as coisas inesquecíveis, inesquecíveis para nós, mas inesquecíveis para aqueles a quem daremos nossos tesouros. O passado, o presente, um futuro estão aí condensados. E, assim, o cofre é a memória do imemorial.” (BACHELARD, 1984, p. 252). A segurança de um cofre fechado, os seus segredos guardados.

Ao abrir a abertura do cofre, a dialética do interior e do exterior se esvazia. Tudo é novo, surpresa e desconhecimento. Como a psicologia permite na dimensão da “abertura” de intimidades fechadas.

A imaginação não limita as coisas, “nunca... é só aquilo”. Não está submetida a verificação. Como Jean-Pierre Richard descreve “’Nunca chegamos ao fundo do cofre’. Como dizer melhor da infinidade da dimensão intima?” (BACHELARD, 1984, p. 253).

Não queremos comunicar as lembranças puras, que são imagens unicamente nossas, por isso as imagens estão no cofre. No momento que ele se abre, “as dimensões do volume não têm mais sentido porque uma dimensão acaba de se abrir: a dimensão da intimidade” (BACHELARD, 1984, p. 253).

A imaginação põe um estímulo nos sentidos; a própria imagem da imaginação não precisa ser verificada pela realidade. Quando há uma verificação, as imagens morrem, pois “haverá mais coisas num cofre fechado do que num cofre aberto (...) Sempre, imaginar será mais que viver” (BACHELARD, 1984, p. 254).

Bachelard finaliza ao descrever que o escondido do homem e o escondido nas coisas ganham relevância pela topoanálise quando aprofundado na “estranha região do superlativo”, campo estudado pela psicologia. Assim, para dominar o superlativo, precisa tocar o positivo pelo imaginário. Logo, precisamos “escutar os poetas”. (BACHELARD, 1984, p. 254-255).

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