CONCURSO "UM PORTUGUÊS EM MINHA VIDA" - FEIRA DO LIVRO JOINVILLE - 2019


No dia 08 de junho de 2019, ocorreu a cerimônia de premiação do concurso "Um(a) português(a) na minha vida". Este, fez parte da programação da Feira do Livro 2019 - Joinville e contou com a participação de vários professores das redes estadual e municipal. Segue resultado: 





A FEIRA DO LIVRO DE JOINVILLE TEM A HONRA DE COMUNICAR OS VENCEDORES DO CONCURSO “UM(A) PORTUGUÊS(A) NA MINHA VIDA”

Cerimônia de premiação -  dia 08/06 - sábado, às 10h, no Expocentro Edmundo Doubrawa.

1º Lugar –Laura Meireles Gomes Moura – Escola Municipal Profª Karin Barkemeyer
2º Lugar – Terezinha Vanderleia do Nascimento da Cruz – Caic Prof.Desembargador Francisco José Rodrigues de Oliveira
3º Lugar – Angela Maria Roman Santana – EEB Profª Antonia  Alpaídes Cardoso dos Santos

3º Lugar – Thiago Prado de Lima – EEB Dr. Jorge Lacerda

O texto da autora Laura Meireles Gomes Moura, professora da Escola Municipal Profª Karin Barkemeyer, recebeu o prêmio de primeiro lugar. Laura é mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade pela Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE) - 2014.

Nossas congratulações e, abaixo, fotos do evento, além do acesso ao texto premiado. 
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CONCURSO “UM PORTUGUÊS NA MINHA VIDA”
A escritura aqui se inicia nos anos 60, onde me vejo sentada à beira da mesa de fórmica vermelha, pontilhada de dourado, que como uma purpurina fossilizada iluminava, como peça central, todo o cenário da cozinha simples de uma casa igualmente humilde, porém, lugar preferido e, por que não dizer, o único mais confortável, onde fazíamos as tarefas, as refeições e as conversas – pequeno universo repleto de sensações; do cheiro da comida, do arroz doce, da canela que ao salpicá-lo, perfumava a figura bonita de meu pai que lá escrevia. Ele gostava de sentar-se à mesa, pegar o fino e delicado papel de cartas, a caneta tinteiro e escrever. Talvez um ato que o humanizava diante de tanto trabalho duro.
Escrevia longas e saudosas palavras nas cartas que me soavam como poemas e eu que nem lia e escrevia, entendia esse código decifrado pelo sentido das saudades ecoadas em cada trecho.
Ficávamos ao redor de sua escrita: minha mãe, meus irmãos e eu e, como ouvintes de uma melodia, esperávamos sua fala que repetia quase sempre os mesmos inícios e finais: “Que esta vos encontre na alegria de todos reunidos a gozar de saúde e dias de fartura [...]. Aqui me despeço à espera de que notícias boas atravessem o mar e tragam de volta satisfeitos os desejos que lhes enviamos. Saudades...”.
Na experiência dessas palavras, sentia a saudades de meu pai, de Portugal e admirava o desenrolar de cartas cujas letras bordadas, seus “as”, “emes” e “enes” me faziam sonhar e imaginar a travessia de um oceano de linhas até a chegada dessas palavras na sua pequena aldeia. Suas casas caiadas, as faluas dos rios Tejo e Douro que nos fados tristes que minha mãe cantava emolduravam a chegada que pareciam vagar nesses barcos.
Eu via as palavras das cartas nos barcos construídos em minha imaginação e sua entrega recebida por várias mãos calejadas da lavoura e dos afazeres. 2 Era, assim, a imaginação povoada pelas palavras que ganhavam forma e cheiros; quando meu pai e minha mãe falavam das vindimas, das festas do milho rei, das broas de milho assadas no forno de barro.
Era como se sentisse esses perfumes e a alegria que ali pairava.
Foram todas essas narrativas densas que legitimaram esse amor a outras terras, que distante, me emprestaram várias vozes a permear minha vida e a pensar no meu pai como o primeiro autor que conhecera.
Nos devaneios da infância me encontrava livre, repleta de riquezas de um pai que julgava escritor, de uma mãe que fados cantava e de uma vida com os irmãos a pensar ser poderosa e endinheirada. Pensava ser rica e que tudo podia! Não obstante, a vida tratou de me mostrar os enganos que cometera ou pensara cometer, a começar a percepção que trazia de mundo, embeber-se e diluir-se diante da paisagem de outras supostas verdades: “a vida era dura e não se podia sonhar muito”.
Anos mais tarde, foi o encontro com as palavras de Saramago que me trouxeram a certeza de que visitá-las foi uma forma de revistar a mim mesma. Talvez resida aí, o encanto das palavras e das histórias, onde visitamos épocas e lugares tão distantes e compreendemos algo da essência humana que da memória do escritor, transcende para a nossa.
Por Saramago, revisitei a minha própria história.
Percebia o pai com o olhar do entendimento que julgava ter: um homem sonhador que possuía o esteio de minha mãe a ofertar carne e osso a seus olhos para o mundo. Ela, suporte e empenho à vida fora a luz de nossos caminhos, nas incertezas de tantos sonhos inacabados. Não percebi assim as fragilidades na vida cotidiana, enfrentadas por meu pai nem a fortaleza disfarçada pela doçura de minha mãe. Estas passaram por mim como se uma venda nos olhos eu tivesse, ou não as tivesse: olhos abertos sem enxergar.
As obras de Saramago, em especial, “Ensaio sobre a cegueira”, inauguraram um novo olhar que lancei sobre a vida. Foi como se as palavras fossem alguém que ao ajudar o cego e o conduzir à casa segura, permitissem olhar-se no espelho e conhecer um pouco além do limite que a visão permite sobre a condição humana.
Saramago, em sua obra, despertou em mim a ideia de que a cegueira pode ser importante, pois podemos nos conhecer internamente, voltar os olhos para dentro, apontando essa necessidade do olhar para si e reconhecer nossas fragilidades.
Foi possível retirar as ataduras que emblemavam as almas dos afetos e pouco a pouco enxergá-las melhor, às vezes com dor, mágoa, mas eram mais limpas dentro da densidão da vida. E estranhamente a cegueira apontava para uma ótica nova e clara de mundo.
Fora nas linhas desse livro que refleti sobre a interação do “eu” com o exterior e as buscas e descobertas inauguraram e banharam de luz a vida comum e banalizada, elevando-a ao patamar de importância, também lugar de interiores, denúncias ao poder que gerido por “cegos” é tecido com fragilidades e nos condena.
Diante do Ensaio, a oferta de poder ver tudo, também está presente como fio condutor de uma dor irreparável: a de saber que a clareza da realidade pode auxiliar a superar as dores e as fragilidades daqueles que não podem “ver”, mas fazer ver no outro algo de bom dentro de si.
Quais olhos seriam importantes para me fazer prosseguir?
Escolhi o olhar que o livro suscitou em mim, ora plural repleto de tanto outros que recolhi como um espelho por aí, ora multifacetado pulverizado em fragmentos coloridos como um caleidoscópio que transforma e recria imagens sem a pretensão de legitimá-las ou explica-las, pois estão ali geridas pela mão que o gira e reproduz.
Saramago costumava dizer que se constituiu escritor a partir da percepção de que haviam leitores para seus escritos. Foram os leitores que o fizeram escritor.
 Posso dizer que a constituição desse novo olhar o mundo, que o Ensaio trouxe, revirou como enxada afiada, o terreno que havia pisado por toda a vida, e quer no convívio com a infância das crianças na escola quer nos trabalhos que realizei principalmente no Abrigo, o anonimato que o Ensaio propõe as personagens reconheço-o também nesses lugares onde a invisibilidade paira e não os vemos. Estão ali a espera de nosso olhar e não os encontramos.
Nessa experiência de encontros e de desvendar o real, são evocados os caprichos das palavras que reverberam em imagens de dor e sofrimento, alegrias e confortos, ofertando a intensidade do sentir de cada um, colocando em baila a memória.
Dessa forma, o Ensaio fundou em mim os propósitos de desnude das aparências e do outro para conferir encontros.
As narrativas no espaço do Abrigo evidenciaram faltas de amor e de fortalecimento de laços sociais e que ignorados e substituídos por engrenagens, que supõe estruturas físicas para suportá-las, deixam de visualizar a tensão que os discursos de vitimação e confronto ali se deslocam.
 Assim, os acolhidos simbolizam um ciclo que me fez reparar em mim mesma e como no livro de Saramago refletir sobre minhas próprias cegueiras em relação ao outro e a mim mesma. O Ensaio trouxe o reparar em minha imagem, rever atitudes, medos, conceitos, valores, inaugurando pontes para transpor abismos da significação e sustentar, pela palavra do texto de Saramago, o germe da possibilidade da reinvenção vinda pela palavra.
Que o desnude seja assim, feito para ofertar o melhor dos encontros: a travessia a procura de nós mesmos e capturar os projetos de um futuro.
Desde a compreensão de mundo, iniciada na infância, no núcleo da família, as relações que teci e que continuo a colher, fios para essa tessitura, é que me constituíram. A obra de Saramago, “Ensaio sobre a cegueira” despertou-me, não somente o olhar, mas as observações 5 sobre a responsabilidade daqueles que ainda podem ver e o quanto de nós mesmos reside no olhar desnudo do outro.
No olhar que não concordamos, no olhar da indiferença, no olhar da dor, pois estamos lá na íris de quem nos vê para reafirmar que é preciso olhar para seguir.
Os espaços desse livro, após já tantas leituras, se constituíram em mim. Vez ou outra percebo na vida algo dele ou a essência dele; as ruas, os semáforos, o ambiente urbano e os guetos como o Manicômio que, pelo avanço do “mal branco” dessa cegueira, é escolhido pelas autoridades no Ensaio, como forma de reclusão e não de tratamento.
Volto a imagem ao Abrigo, às crianças de minha convivência e me dei conta de quantas vezes encontrei ali os labirintos que, no livro, adentram ao espaço, ao Manicômio e que igualmente resguardam as misérias morais e físicas de vidas invisíveis.
O Ensaio sobre a cegueira me remeteu a esses espaços internos de mim mesma, que também, como nos labirintos, pareço procurar o sentido de estar no mundo, de uma nova ordem, de buscas de sensibilização.
Há, portanto, que se desfazer do emaranhado de fios que o labirinto tece, dia a dia, e nos emudece, diante de tantas mazelas, para podermos ver e desfazer nós.
Que a luz preencha nosso olhar e que ele se atente às relações que se diluem e se esgotam tornando o tempo escasso como nas palavras de Saramago “estar a se acabar”, num mundo que me parece às avessas, inaugurado pelas cegueiras.
Que os excessos da racionalidade não permitam mais cegueiras e que possam as preencher de luz e de emoção os dias que trarão a salvação de nossas identidades humanas, ateando a indiferença e a incapacidade de sentir pelo outro em labirintos selados infinitamente pelo tempo.
Que as transformações do olhar estejam a brotar e a anunciar grandes e verdadeiros encontros
Autora: Laura Meireles Gomes Moura






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