Resenha crítica dos capítulos 8 e 9 do livro "O elogio da palavra", de Phillipe Breton
RESENHA
CRÍTICA DOS CAPÍTULOS 8 E 9 “MINHA PALAVRA VALE O MESMO QUE A SUA: A SIMETRIA
DEMOCRÁTICA”; “DA VIOLÊNCIA À MODERAÇÃO: A PROMESSA DO PROCESSO CIVILIZADOR” |
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Autores da Resenha: |
Cladir
Gava, Mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade pela UNIVILLE |
Referência do Texto: |
Referência
do Texto: BRETON,
Philippe. O elogio da palavra. São Paulo: Edições Loyola, 2006. |
Desenvolvimento do Texto: |
|
A
partir deste movimento iniciado no sentido de desestruturar a hierarquia e as
desigualdades na organização social, foi desencadeada uma nova ordem mundial,
na qual a palavra passou a ter um lugar de excelência. Rompe-se também com o
fatalismo predominante nas sociedades primitivas, desmistificando a ideia de
destino, em proveito da liberdade por meio da palavra: “Não há mais uma lei transcendente,
e sim discussões, decisões coletivas dos cidadãos” (BRETON, 2006, p. 150). Neste
contexto, o homem ideal passou a ser aquele que utiliza a palavra com
propriedade para discutir, argumentar e participar das decisões tomadas no
quadro geral, sendo que “[...] uma palavra equivale a outra, mas na qual
nenhuma palavra equivale à palavra coletiva” (BRETON, 2006, p. 151). Com
isso, o homem passa a ser visto como um ser distinto dos demais seres vivos e
objetos inanimados. Hannah
Arendt (1961 apud BRETON, 2006, p.152) entende a democracia como sendo
“um espaço de aparência do qual ela é apenas a institucionalização”. Assim, a
sociedade democrática se caracteriza pela palavra e ação conjunta dos homens,
que precedem a constituição formal do domínio público e das formas de
governo. Com o advento da democracia, evidencia-se também a retórica, a arte
de convencer e foi iniciada uma reflexão específica e sistemática sobre a
palavra. Contudo, havia a preocupação de que a retórica poderia ser usada
como instrumento de poder pela sua capacidade de manipular a palavra. Surge assim
um impasse a partir de dois pontos centrais: o primeiro é que, em se tratando
de uma sociedade democrática, a prática da retórica somente tem sentido se produzir
concretamente um vínculo social igualitário e, segundo, os valores existentes
em seu âmago devem ser difundidos sob a forma de um ideal para toda a
sociedade, pois são antagônicos à ideia de dominação. A
partir disso, Breton (2006, p. 153) afirma que a retórica “é uma seleção, de
acordo com as possibilidades que ela oferece, daquilo que pode constituir um
novo uso da palavra, igualitário, pacificador, desenvolvedor para a pessoa no
sentido de lhe oferecer os meios para aparecer diante dos outros como
pessoa”. Por tratar-se de um igualizador da palavra, a retórica tem uma
função essencial na democracia. Ele faz referência a Aristóteles, que inicia
a sua Retórica propondo que seus interlocutores refletissem sobre o que é
possível fazer e o que não se deve fazer com a palavra. Para Barthes (1970 apud
BRETON, 2006, p. 153) a retórica “também é uma moral, uma moralização da
palavra, que implica certas renúncias [...] a retórica é uma metalinguagem
que toma a palavra como objeto”. Com
a ruptura democrática, segundo Breton (2006, p. 156) a palavra adquiriu “um
novo estatuto”, pois não mais se limitava ao “exercício de um poder
particular”. Com isso, passou-se a diferenciar o seu uso como opinião da sua
utilização para descrever algo. Naquele contexto, os sofistas, que pretendiam
ter um saber sobre a palavra, passaram a fazer suas observações. A sociedade
grega escravagista não é o ideal do ponto de vista das desigualdades, mas
abre espaço para o exercício da igualdade. A democracia grega não suportava a
desigualdade diante da palavra, inventando uma espécie de ensino da palavra.
Na retórica, são ensinadas técnicas de memória artificial para que as pessoas
fossem postas no mesmo nível. Ocorre uma nova relação com a palavra por meio do
aperfeiçoamento da escrita alfabética representada pela notação completa dos
sons. Mas a retórica é inicialmente uma reflexão sobre a palavra oral e
somente após vários séculos, com Quintiliano, ela passará a ser empreendida
na palavra escrita. Após destacaram-se os estudos de Roland Barthes, com
grande influência na cultura ocidental e Foucault, sendo que a partir do
século XVII o discurso passa a ser objeto da linguagem. Enquanto a
linguística se ocupa da parte nobre da língua, esta “reviravolta retórica
implica um novo olhar sobre a palavra e sua articulação com os meios de
comunicação, entre os quais as línguas orais” (BRETON, 2006, p. 157). A
partir deste contexto, Breton (2006) discute uma tripla ruptura para a
compreensão do novo estatuto da palavra. Nesta perspectiva, o autor propõe
uma análise de uma relação triangular, cuja base é a democracia e cujos lados
são formados pela nova relação com a violência e pelo novo lugar assumido
pelo indivíduo. A ruptura democrática desencadeou a renúncia aos métodos
tradicionais de tomada de decisão e aos métodos tirânicos próprios do sistema
palaciano. Porém, os princípios da retórica foram redescobertos em períodos
históricos muito tempo após o período grego, nos quais o regime não era
democrático. Norbert Elias (apud Breton, 2006) identificou o processo de
pacificação dos costumes no regime monárquico francês. A partir do
pressuposto de que, por meio da retórica foi redescoberta uma prática
concreta da democracia, é importante analisar como este vínculo se manifesta
entre a violência e a palavra em um quadro não democrático. Também é
relevante estudar os vínculos entre o desenvolvimento do individualismo nas
sociedades modernas e contemporâneas. No
capítulo 9 - “Da violência à moderação: a promessa do processo civilizador”,
Breton (2006, p. 161) propõe a ideia de que o caminho seguido pela palavra
tem sido “uma alternativa concreta à violência”, considerando a sua
trajetória no processo de hominização e depois nas grandes transformações
culturais e sociais. A violência civil e a das guerras, mesmo se for
considerado o decréscimo de vítimas em conflitos armados, são processos
característicos tanto nas sociedades primitivas quanto nas nossas e essa é
uma das grandes preocupações humanas há muito tempo. Em
cada contexto histórico, cada sociedade dispõe de um sistema de normas que
enquadram o uso da violência, em busca “do ideal de uma sociedade em seja
mais fácil viver”. “[...] Essas normas são variáveis e evoluíram no sentido
de uma intolerância cada vez maior à violência” (BRETON 2006, p. 162). Determinadas
sociedades procuram mudar as normativas sobre o nível de violência aceitável,
como é o caso dos redatores do Antigo Testamento, as leis de Moisés, dentre
as quais se inclui “Não prestarás falso testemunho”, pois a mentira seria uma
palavra violenta. São normas de vida em sociedade e imperativos morais que
visam amenizar um jogo considerado muito violento. Contudo, por si só não são
suficientes para romper o ciclo de violência, sendo necessárias mudanças
sociais para instituir normas restritivas e aceitas pela maioria. Foi com
este propósito que os antigos gregos estabeleceram uma sociedade democrática,
articulando-se em torno de uma nova relação com a palavra: do estatuto da
palavra do poder a um poder compartilhado. A
busca pelo fim da violência, segundo Jacqueline de Romilly (apud BRETON,
2006, p. 165) “se manifestou em dois momentos sucessivos: a descoberta da
justiça e a descoberta da moderação”. Foi assim que se deu a
institucionalização do tribunal na nova justiça grega, com um substituto
possível à vingança e à guerra. A nova justiça ligava-se ao processo de
difração da palavra no qual a opinião se apoia no fato (objetivação da
palavra). No mundo grego, tomar a palavra, passou a ser um dever cívico. Com
isso, há um princípio de pacificação nas relações sociais por meio da palavra
para interromper o autoritarismo, trazendo, de modo matriarcal, o instituto
da palavra do qual somos herdeiros, pois “a palavra moderna é tomada em uma
matriz justiciária” (BRETON 2006, p. 166). Após
o Império Romano e a Idade Média Ocidental terem inserido novamente a
violência arcaica como questão social, diante das novas exigências de
pacificação, o ideal pacificador grego por meio da palavra é redescoberto, em
certa medida, pelos humanistas do Renascimento. Essa vontade nova e imperiosa
de civilidade manifestada em certos meios emergiu diante do cenário de
violência marcado por maus-tratos, torturas, brigas e guerras, cenário esse
ainda observado em vastas regiões do mundo. De
acordo com Elias (apud BRETON, 2006), a partir das mudanças sociais e
culturais emerge um novo homem, que busca renunciar à agressão, comportar-se
com pudor, aceitar a separação em relação aos outros, enfim, colocar suas
emoções em palavras. Breton entende que, com isso, amplia-se o espaço da
tomada da palavra, sua importância social e a própria linguagem se civiliza e
se pacifica. Há um progresso da criminalização, ainda que lento, dos
comportamentos violentos tendo, como indica Muchembled (apud BRETON, 2006), a
justiça como produtora do vínculo social. No
processo civilizador herdado por várias sociedades, dentre as quais a maior
parte dos países ocidentais, há uma ruptura em relação às normas antigas de
violência. A objetivação das emoções graças à palavra passa a ser um espaço
de aparência com poder atualizado, implicando uma transformação progressiva
de certos costumes, enquadrando a violência em normas sociais precisas. Tais
normas implicam o deslocamento da violência à civilização, no qual as regras
da retórica e do bem viver são adaptadas às circunstâncias. Os recursos da
argumentação são mobilizados, sendo que para atingir a verdadeira natureza
humana, é preciso também escutar o outro, o que remete ao ideal de simetria
da revolução democrática grega no qual o poder da palavra tende a substituir
a palavra do poder. A desigualdade é vista como fonte de violência social e a
civilidade, com base na palavra, tem a força de perturbar essas estruturas
não-igualitárias. Essa
evolução caminha juntamente com uma transformação interna do exercício da
palavra chegando ao despertar da retórica na nova civilidade, no qual são
retomadas e desenvolvidas ao menos duas formas: a argumentativa e a
informativa. A argumentação adquire grande importância na organização de
debates que se caracterizam pela mistura de cerimônia e conversação, que
seguem um rígido protocolo. Contudo, segundo Betron (2006, p. 178) esse ideal
se concretizou “sob o duplo efeito da progressão das normas sociais que
enquadram a violência e da criminalização bem-sucedida da violência civil
[...] essa ruptura talvez não se tenha dado em profundidade”. A um menor
relaxamento das leis, tem-se o risco de retornar a um estágio anterior. Ainda
assim, o processo de pacificação dos costumes serve de referência sobre como
a violência pode recuar, principalmente a partir de um novo uso da palavra.
Neste sentido, a ideia defendida pelo autor é de que a civilidade e a polidez
são “a matriz do processo de objetivação que é essencial ao recuo da
violência”. Estes estudos adquirem relevância não somente para uma melhor
compreensão dos processos históricos que desencadearam a busca pela
democracia e do papel significativo que a palavra tem nas relações sociais,
como também para a análise sobre como se articulam estas relações nas
sociedades contemporâneas. |
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Observações: |
: Democracia.
Palavra. Civilidade. |
O ESQUECIMENTO IMPOSSÍVEL -RESENHA CRÍTICA
O
ESQUECIMENTO IMPOSSÍVEL -RESENHA CRÍTICA
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Ian Pogan
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Referência
do Texto:
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VATTIMO,
Gianni. O esquecimento impossível. In. YERUSHALMI, Y. et. al. Usos do
Esquecimento: Conferências proferidas no colóquio de Royaumont. Campinas:
Ed. Unicamp. 2017, p.99-115
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Desenvolvimento
do Texto:
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As discussões quanto ao
esquecimento talhado no devir de um século, revela profundamente sobre o
legado do ser humano, de suas ideias e traumas. Vattimo, assim como nós, tem
o corpo marcado pela impossibilidade do esquecimento. Esta premissa tem
significativa espessura histórica, Gianni vale-se de Nietzsche e Heidegger[1]
neste debate, e apresenta como esquecimento em certa medida foi e é um
sintoma de como a humanidade trata de sua condição.
A segunda metade do Século XIX foi o período
áureo da Era Moderna, a consolidação do conhecimento científico que vinha
superando em poucos anos, desafios que pareciam eternos, invenções de toda
ordem… o futuro aproximava-se cada vez
mais do presente, e concomitante diminuía as distâncias com o passado[2]. A
história teve papel-chave nisso, desde a promoção e legitimação simbólica dos
emergentes Estados-Nação, o surgimento de inúmeras instituições de caráter
memorialista e histórico, como museus, arquivos e mesmo a estruturação da
história como Ciência acadêmica[3],
não a toa que o Século XIX foi chamado de: “Século da História”[4].
Com o passado tão evidente, o futuro e sua sorte estariam comprometidos,
assim como a possibilidade do “novo” do “original” aparecer, essa era a
preocupação de Nietzsche. Em seu texto[5]
defendia que o passado deveria somente ser evocado às necessidades práticas,
não como elemento mercadológico (valendo-se como atração) ou demagógico (de
uso das elites) e docilizador das massas. Aqui, o esquecimento teria uma
função de prover o rompimento dessa ordem, buscando a superação do Homem[i].
Influenciado por
Nietzsche, Heidegger cunha um outro olhar sobre o esquecimento. Segundo ele,
seria inevitável e intrínseco do ser o ato de rememorar. Deste modo, poderia
a partir deste haver um processo de descoberta e consigo de uma superação. Em
certa medida, esses dois filósofos (Nietzsche e Heidegger) são o sintoma e
anúncio do fim (melancólico) do mundo moderno, que veio consolidar-se na
primeira metade do século XX, com inúmeros eventos traumáticos tendo
destaque, as duas guerras mundiais e os regimes totalitários, que postularam
definitivamente não só a impossibilidade do esquecimento, mas o perigo em que
a Humanidade corria ao esquecer o passado[ii].
As forças eternizantes da qual Nietzsche discorria como um caminho para a
superação do tempo histórico, deu-se na prática por outro campo: a arte do
pós-guerra - que encabeçou superação de paradigmas propostos pelos dois
filósofos. Em verdade, a combinação de arte, mercado e mídia, gerou
rompimento definitivo com o mundo Moderno. Baseadas nas diversas apropriações
desses diferentes campos, a arte contemporânea não mais orbitava no campo
estético, mas sim no campo da linguagem. Sem mais reportar sua condição à uma
perspectiva teológica e utópica e mesmo da necessidade de vanguardas
intelectuais, que vinham suprir o esgotamento de movimentos anteriores. A
arte passava a ser entendida como elemento pluralistas. Utopias passaram a
serem substituídas por heterotopias, ou seja sem mais a busca de um único
objetivo, uniforme, único, mas da possibilidade de inúmeros espaços e
objetivos. Definia-se um mundo não
mais de essências ou de forças metafísicas, mas um mundo de representações.
As apropriações do passado tornaram-se múltiplas e feitas por diferentes
sujeitos e de inúmeras formas, criando um novo mundo de possibilidades.
Talvez algo em que Heidegger projetava como sua ideia de “descoberta”. O
esquecimento é impossível na medida em que o passado ele está cada vez mais
próximo do presente[6],
assim, a questão não é mais quanto ao esquecimento, mas das complexidades do
lembrar e as perdas nesse devir.
Referências:
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas, Vol. 1. Magia e técnica, arte e política.
Ensaios sobre literatura e história da cultura.São Paulo: Brasiliense, 1987,
p. 222-232
BOURDÉ Guy; Hervé MARTIN. As Escolas Históricas. Lisboa: Publicações Europa-América. 1983
CONCEIÇÃO, Lívia Beatriz da. Em tempos de ‘fermentação
nascente’: uma leitura dos projetos para a instrução pública primária do
personagem François Guizot (1832-1836). Rev. Bras.. Hist. Educ. vol.20 Maringá
2020. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2238-00942020000100205 > Acesso em: 23/06/2020
HARTOG, François. Tempo, História e a Escrita da história:
A ordem do tempo. Revista de História.
n.148, 2003, p.9-34
KOSELLECK,
Reinhart. Estratos do tempo.
Estudos sobre História. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014
NIETZSCHE,
Friedrich. Sobre a utilidade e a
desvantagem da história para a vida. Tradução de André Luís Mota
Itaparica. São Paulo: Hedra, 2017
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Observações:
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[1]Sintomático a operação da qual Vattimo discorre no
texto com base no pensamento desses dois filósofos. Ambos foram apropriados
ou tiveram relação explícita em eventos traumáticos (em especial Heidegger e
sua relação com o Regime Nazista na Alemanha). N.A.
2 Ver KOSELLECK. 2014 p.121-205
3 Ver BOURDÉ, MARTIN. 1983, p.82-118
4 Como exemplo da importância da história para a
legitimação dos Estados Modernos, François Guizot quando ministro na França
instituiu a história como ensino obrigatório nacional - “Feita a França,
agora seria necessário fazer os franceses” (CONCEIÇÃO. 2020)
5NIETZSCHE.
2017
6 Übermensch, do alemão, conceito cunhado por Nietzsche. N.A.
7 Aqui faz-se necessário lembrar das teses sobre
História de Walter Benjamin, em especial a 9a Tese, quando ele discorre: “Há
um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece
querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão
escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve
ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma
cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula
incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de
deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade
sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode
mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao
qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu.
Essa tempestade é o que chamamos progresso. (BENJAMIN. 1987, p.226)
8 Recorro ao historiador francês François Hartog
quanto ao presentismo e aos processo de aceleração do tempo histórico.
(HARTOG. 2003)
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RESENHA CRÍTICA DE CORPO E COMUNICAÇÃO: SINTOMA DA CULTURA, DE MARIA LUCIA SANTAELLA BRAGA; POR BRUNA LORRENZZETTI
RESENHA CRÍTICA
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Bruna
Lorrenzzetti, mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade pela UNIVILLE
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Referência do Texto:
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SANTAELLA,
Lucia. Corpo e comunicação: sintoma da cultura. São Paulo: Paulus,
2004.
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Palavras-chave (3):
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Comunicação e
cultura, corpo humano, corpo humano na arte.
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Desenvolvimento do Texto:
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“O corpo está em todos os lugares.
Comentado, transfigurado, pesquisado, dissecado na filosofia, no pensamento
feminista, nos estudos culturais, nas ciências naturais e sociais, nas artes
e literatura.” (SANTAELLA, 2004 p. 133). A pesquisadora e professora Maria
Lucia Santaella Braga coloca em pauta no capítulo 10, O corpo como Sintoma
da Cultura, um cenário
marcado por questões
relativas ao corpo focando na sua onipresença. Para a autora a onipresença do corpo
se dá em decorrência às novas formações
culturais na era digital da comunicação, decorrentes das
inquietações
provocadas pela tecnologia e pela simbiose corpo e
máquina.
A explicação vinda de outro texto
de Santaella de 2003, recobre o campo da arte, não indicando razão para a
onipresença do corpo nas demais
esferas culturais. Na sequência
contextualiza o século XIX informando que os sintomas que marcavam o corpo,
de forma gradual foram crescendo até tornar o próprio corpo um sintoma da
cultura. A autora propõe que
a centralidade do corpo, especificamente nas artes, deve-se ao fato de que,
entre muitos fatores, sob efeito de suas extensões científico-tecnológicas, o
corpo humano deva estar passando por uma mutação, cujos efeitos ainda não
somos capazes de discernir. Acrescenta que artistas acolhem a tarefa de
estarem anunciando essa nova antropomorfia que se passa na esfera humana,
utilizando o discurso psicanalítico de
Freud e Lacan.
O que é sintoma, se apresenta como
primeiro subtítulo do capítulo, nele Santaella traz o sintoma no contexto
psicanalítico como um “mal estar” que se impõe a nós e nos questiona. Para
Freud de acordo com Santaella, antes de um estágio doentio apresentam-se
sinais do inconsciente, atos falhos, sonhos, chistes (formas de exprimir a
realidade), recordações encobridoras. Através do inconsciente faz-se ouvir,
revelação, em decorrência, o sintoma é retorno do recalcado. Por sua vez
Lacan dá sentido a palavra sintoma através de C.S. Pierce, sendo “aquilo que
significa algo para alguém”. Freud vê o sintoma como signo, Lacan, como um
significante, que age e produz efeitos de significação, saber inconsciente
que sabe do sujeito, sem que o sujeito saiba dele. A partir de 1982, Lacan
pensa o sintoma a partir do gozo. Freud não vê o gozo como prazer, mas como
uma paradoxal espécie de prazer na dor. Santaella finaliza a primeira a
primeira parte com o questionamento: em que medida estamos autorizando esse
conceito (clínico em primeira instância), para o campo da cultura?
No segundo subcapítulo, Sintomas da Cultura, estruturado
nos conceitos da psicanálise, avalia os sintomas da cultura a partir do “mal estar” freudiano,
pelo desconforto
produzido pelas renúncias pulsionais que o indivíduo é levado a realizar em prol
do sistema de interdições que constitui a civilização. Relaciona
Na sequência aborda O Corpo na
psicanálise, iniciando com o questionamento, o que é corpo? O
corpo, físico, fisiológico, o real do corpo, que compartilha, que sofre
mudanças, sente dor, sobrevive, adoece, envelhece e morre. Na psicanálise o
corpo é pulsional, imaginário, simbólico. Para Freud o corpo apresenta-se por
intermédio do Eu, e este não nasce pronto, se desenvolve progressivamente. Um Eu que
está ligado à imagem do corpo, que Freud associou a muitas teorias, sendo uma
na qual o Eu é fundado na pulsão, auto conservação, lugar determinante no
recalque, onde o corpo, primeiro é um corpo olhado, e que se modifica pela
identificação. Santaella apresenta Lacan sistematizador que apoiou sua teoria na categorização
da realidade psíquica nos registros Imaginário, Simbólico e Real.
O capítulo desenvolve a partir de
três subtemas: -
O corpo Imaginário, que segue o pensamento de Lacan em que o Eu está
ligado a imagem do próprio corpo. Apresenta essa relação desde os 6 meses de
idade de uma criança. Aponta o júbilo de se conhecer ao espelho ocultado por
um logro, fonte de alienação que perseguirá o ser humano para sempre. Esse Eu
é formado a partir do Outro, que identificamos pela primeira vez no espelho,
um Outro rival, imagem narcísica, condição para aparecimento do desejo,
engate dos significantes do desejo do Outro. - O corpo Simbólico é
apresentado como corpo aparelhado pela linguagem, condição de um corte
entre sujeito e objeto, transformando objeto em uma abstração, onde o
significante é um poder que mortifica. - O corpo Real, descrito como
pulsional, tendo como referência Freud, sendo que nenhum objeto poderá
trazer satisfação a esse corpo, pois a natureza da pulsão é dar intermináveis
voltas em círculos, em busca de meta inalcançável. O corpo real avança para o
campo psíquico, além do físico e se vê desejo, no prazer, satisfação e
felicidade. A autora destaca que Lacan apresenta a relação do gozo como uma origem
sempre sexual, não especificamente genital. O Imaginário, Simbólico e Real do
corpo sofre uma incompletude que a autora relaciona com o que o capitalismo
oferece no sentido de tentar preencher essa completude impossível.
Corpo
como Sintoma, o último subtítulo propõe reflexões sobre três tipos de gozo
ditos por Lacan: gozo fálico (energia dissipada, sendo o falo limitador do
gozo que sai e do que fica retido no inconsciente); mais gozar (parcela de
gozo que fica retida no interior do sistema psíquico, cuja saída é proibida
pelo falo, excedente residual que aumenta tensão e se encontra nos orifícios
do corpo, explicando o porquê do início do desejo nascer das zonas erógenas)
e gozo do Outro (ponto absoluto e impossível da liberação total do gozo). Santaella reforça
que na visão
psicanalítica o gozo não se explica como prazer sexual e sinaliza um ponto em comum entre os três gozos
e os sintomas do corpo imaginário, simbólico e real. Finalizando o texto,
Santaella cita Pommier (2002) que descreve a humanidade buscando diferentes
receitas para cozinhar sua angústia, receitas ideais para cada época. Enfatiza que
as marcas do corpo significavam alianças com espíritos e a
flagelação no Período Medieval causava efeito interior de purificação, hoje
são signos que pertencem ao regime equivalente a seu valor de troca.
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Observações:
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A obra permite
discussões interdisciplinares entre áreas da comunicação, psicanálise,
filosofia.
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POSTAGEM EM DESTAQUE
Anais do 28º.Encontro do PROLER Univille e 13º Seminário de Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura - 2022
O 28º Encontro do Proler Univille e 13º Seminário de Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura teve, no ano de 2022, o tema "As narrati...