RESENHA CRÍTICA DE CORPO E COMUNICAÇÃO: SINTOMA DA CULTURA, DE MARIA LUCIA SANTAELLA BRAGA; POR BRUNA LORRENZZETTI



RESENHA CRÍTICA
Autores da Resenha:
Bruna Lorrenzzetti, mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade pela UNIVILLE
Referência do Texto:
SANTAELLA, Lucia. Corpo e comunicação: sintoma da cultura. São Paulo: Paulus, 2004.
Palavras-chave (3):
Comunicação e cultura, corpo humano, corpo humano na arte.
Desenvolvimento do Texto:

        “O corpo está em todos os lugares. Comentado, transfigurado, pesquisado, dissecado na filosofia, no pensamento feminista, nos estudos culturais, nas ciências naturais e sociais, nas artes e literatura.” (SANTAELLA, 2004 p. 133). A pesquisadora e professora Maria Lucia Santaella Braga coloca em pauta no capítulo 10, O corpo como Sintoma da Cultura, um cenário marcado por questões relativas ao corpo focando na sua onipresença. Para a autora a onipresença do corpo se dá em decorrência às novas formações culturais na era digital da comunicação, decorrentes das inquietações provocadas pela tecnologia e pela simbiose corpo e máquina.
            A explicação vinda de outro texto de Santaella de 2003, recobre o campo da arte, não indicando razão para a onipresença do corpo nas demais esferas culturais. Na sequência contextualiza o século XIX informando que os sintomas que marcavam o corpo, de forma gradual foram crescendo até tornar o próprio corpo um sintoma da cultura. A autora propõe que a centralidade do corpo, especificamente nas artes, deve-se ao fato de que, entre muitos fatores, sob efeito de suas extensões científico-tecnológicas, o corpo humano deva estar passando por uma mutação, cujos efeitos ainda não somos capazes de discernir. Acrescenta que artistas acolhem a tarefa de estarem anunciando essa nova antropomorfia que se passa na esfera humana, utilizando o discurso psicanalítico de Freud e Lacan.
        O que é sintoma, se apresenta como primeiro subtítulo do capítulo, nele Santaella traz o sintoma no contexto psicanalítico como um “mal estar” que se impõe a nós e nos questiona. Para Freud de acordo com Santaella, antes de um estágio doentio apresentam-se sinais do inconsciente, atos falhos, sonhos, chistes (formas de exprimir a realidade), recordações encobridoras. Através do inconsciente faz-se ouvir, revelação, em decorrência, o sintoma é retorno do recalcado. Por sua vez Lacan dá sentido a palavra sintoma através de C.S. Pierce, sendo “aquilo que significa algo para alguém”. Freud vê o sintoma como signo, Lacan, como um significante, que age e produz efeitos de significação, saber inconsciente que sabe do sujeito, sem que o sujeito saiba dele. A partir de 1982, Lacan pensa o sintoma a partir do gozo. Freud não vê o gozo como prazer, mas como uma paradoxal espécie de prazer na dor. Santaella finaliza a primeira a primeira parte com o questionamento: em que medida estamos autorizando esse conceito (clínico em primeira instância), para o campo da cultura?
          No segundo subcapítulo, Sintomas da Cultura, estruturado nos conceitos da psicanálise, avalia os sintomas da cultura a partir do “mal estar” freudiano, pelo desconforto produzido pelas renúncias pulsionais que o indivíduo é levado a realizar em prol do sistema de interdições que constitui a civilização. Relaciona na sequência a teoria da condição humana de Lacan que leva o sujeito a obter gozo pela renúncia do próprio gozo. Assim, o sintoma é o que se insurge contra a exigência civilizatória do recalque. Nessa perspectiva a cultura não é apenas a realização de desejos. De acordo com Leite (2000) citada por Santaella, constata-se a emergência de novas formas de o sujeito fugir do mal estar, intensificados pelo poder das mídias, surgem novos dispositivos outros modelos sugeridos aos sujeitos de evitar a angústia. Consumidores tornam-se acumuladores de sensações. Uma vez que a sensação adere ao corpo, trata-se de um novo modo de gozo que encontra seu alvo no corpo e o próprio corpo torna-se mercadoria. Surgem modos contemporâneos de gozo, piercings, tatuagens como também flagelos ao corpo, distúrbios alimentares, remodelagens de corpo, exaltação, exibicionismo. O corpo se tornou sintoma da cultura. As afirmações de Santaella são identificáveis frequentemente no universo midiático e contemporâneo.
           Na sequência aborda O Corpo na psicanálise, iniciando com o questionamento, o que é corpo? O corpo, físico, fisiológico, o real do corpo, que compartilha, que sofre mudanças, sente dor, sobrevive, adoece, envelhece e morre. Na psicanálise o corpo é pulsional, imaginário, simbólico. Para Freud o corpo apresenta-se por intermédio do Eu, e este não nasce pronto, se desenvolve progressivamente. Um Eu que está ligado à imagem do corpo, que Freud associou a muitas teorias, sendo uma na qual o Eu é fundado na pulsão, auto conservação, lugar determinante no recalque, onde o corpo, primeiro é um corpo olhado, e que se modifica pela identificação. Santaella apresenta Lacan sistematizador que apoiou sua teoria na categorização da realidade psíquica nos registros Imaginário, Simbólico e Real.
      O capítulo desenvolve a partir de três subtemas: - O corpo Imaginário, que segue o pensamento de Lacan em que o Eu está ligado a imagem do próprio corpo. Apresenta essa relação desde os 6 meses de idade de uma criança. Aponta o júbilo de se conhecer ao espelho ocultado por um logro, fonte de alienação que perseguirá o ser humano para sempre. Esse Eu é formado a partir do Outro, que identificamos pela primeira vez no espelho, um Outro rival, imagem narcísica, condição para aparecimento do desejo, engate dos significantes do desejo do Outro. - O corpo Simbólico é apresentado como corpo aparelhado pela linguagem, condição de um corte entre sujeito e objeto, transformando objeto em uma abstração, onde o significante é um poder que mortifica. - O corpo Real, descrito como pulsional, tendo como referência Freud, sendo que nenhum objeto poderá trazer satisfação a esse corpo, pois a natureza da pulsão é dar intermináveis voltas em círculos, em busca de meta inalcançável. O corpo real avança para o campo psíquico, além do físico e se vê desejo, no prazer, satisfação e felicidade. A autora destaca que Lacan apresenta a relação do gozo como uma origem sempre sexual, não especificamente genital. O Imaginário, Simbólico e Real do corpo sofre uma incompletude que a autora relaciona com o que o capitalismo oferece no sentido de tentar preencher essa completude impossível.
     Corpo como Sintoma, o último subtítulo propõe reflexões sobre três tipos de gozo ditos por Lacan: gozo fálico (energia dissipada, sendo o falo limitador do gozo que sai e do que fica retido no inconsciente); mais gozar (parcela de gozo que fica retida no interior do sistema psíquico, cuja saída é proibida pelo falo, excedente residual que aumenta tensão e se encontra nos orifícios do corpo, explicando o porquê do início do desejo nascer das zonas erógenas) e gozo do Outro (ponto absoluto e impossível da liberação total do gozo). Santaella reforça que na visão psicanalítica o gozo não se explica como prazer sexual e sinaliza um ponto em comum entre os três gozos e os sintomas do corpo imaginário, simbólico e real. Finalizando o texto, Santaella cita Pommier (2002) que descreve a humanidade buscando diferentes receitas para cozinhar sua angústia, receitas ideais para cada época. Enfatiza que as marcas do corpo significavam alianças com espíritos e a flagelação no Período Medieval causava efeito interior de purificação, hoje são signos que pertencem ao regime equivalente a seu valor de troca.
Observações:
A obra permite discussões interdisciplinares entre áreas da comunicação, psicanálise, filosofia.


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