Fichamento do livro: GAUDREAULT, André; JOST, François. A
narrativa cinematográfica. Trad. Adalberto Muller, Ciro Inácio Marcondes e Rita
Jover Faleiros. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2009.
Autoria: Karla Adriana Nascimento Cunico
p. 37
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As dificuldades das descrições linguísticas do visual
devem-se ao fato de que “a imagem mostra, mas não diz” (JOST, 1978),
portanto, cabe o questionamento como o plano cinematográfico significa e como
ele narra. Essas duas questões são tratadas por Metz, na medida em que ele
não questiona o que os filmes narram. Para ele, prioritário é compreender
como a imagem móvel – que pode estar aquém da narrativa – significa.
Interrogação que suscita uma segunda questão: até que ponto se pode admitir
que o cinema seja uma linguagem? É para contrapô-lo à língua que o semiólogo
se esforça em demonstrar que nenhum plano é equivalente a uma simples palavra
e que, inversamente em toda imagem existe pelo menos um enunciado: “a imagem
de uma casa não significa 'casa', mas sim 'eis uma casa'” (METZ, 1968, p.
118).
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p. 46
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[…] a imagem funciona como um índice, no senso de Charles
Peirce, na medida em que ela parece, para o espectador, ter sido diretamente
“afetada” pela espacialidade e a temporalidade do objeto representado. Como
diz Peirce:
um índice é um signo que remete a um objeto que ele
denota, porque ele é realmente afetado por esse objeto […]. Na medida em que
o índice é afetado pelo objeto, ele possui necessariamente alguma qualidade
em comum com o objeto, e é dando atenção às qualidades que ele pode ter em
comum com o objeto que ele remete a esse objeto (PEIRCE, 1978, p. 140)
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p. 49
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Admite-se que “um documentário se define como apresentando
seres ou coisas existindo positivamente na realidade afílmica” (SOURIAU, 1953,
p. 7), enquanto a ficção tem o poder de criar mundos, mesmo se ele ou eles se
assemelharem ao nosso. A realidade afílmica, isto é, a realidade “que existe
no mundo habitual, independentemente de qualquer relação com a arte fílmica”
é um mundo que pode ser verificado (dependendo dos conhecimentos do
espectador do universo espaço-temporal em que vive), enquanto o mundo da
ficção é um mundo em parte mental, que tem suas próprias leis (SOURIAU, 1953
p. 7). De maneira que o que sucede em tal ou qual narrativa fílmica e que nos
parece verossímil pode parecer absurdo em outro.
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p. 64
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[…] os documentários são geralmente feitos de modo que
prestemos mais atenção àquilo que é dito pelo entrevistado do que o modo como
é filmado.
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p. 67/68
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O cinema tem uma inclinação quase “natural” pela delegação
narrativa, pelo encaixe do discurso. A razão disso é, no fundo, bem simples:
é que o cinema mostra personagens em ação que imitam os humanos, em suas
diversas atividades cotidianas, e uma dessas atividades, à qual nós nos entregamos
todos, de um momento a outro é a de falar. E, falando, a maioria dos humanos
é levada a utilizar a função narrativa da linguagem – a narrar, a se narrar.
Ora, no cinema, esse fenômeno é acentuado, pois utiliza, cinco matérias de
expressão – as imagens, os barulhos, as falas, as menções escritas e a
música.
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p. 74
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Chegamos mesmo a vislumbrar o reagrupamento das matérias
de expressão sob a dependência ou a tutela de substâncias particulares: como
André Gardies (1987), que divide em três subgrupos as diversas
responsabilidades narrativas do
“enunciador fílmico”, que modulará a voz de três subenunciadores, cada um
responsável, respectivamente, pelo icônico, pelo verbal, pelo musical.
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p. 85
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Como todas as outras formas de narração, a narração
fílmica presume a comunicação de informações narrativas entre duas instâncias
situadas cada uma em uma ponta da cadeia. O narratário de uma narrativa é
aquele ou aquela a quem ela é destinada, é assim submetido, a um processo
comunicacional no momento em que o narrador libera para ele uma multitude de
informações sobre o universo diegético onde evoluem os diversos personagens
da narrativa, assim como sobre esses próprios personagens e, é claro, sobre
as ações que eles realizam.
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p. 92
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Efeitos de linguagem: a palavra traz algumas informações
que a imagem muda não pode fornecer:
a) dirige os espectadores para diferentes significados
possíveis de uma ação representada visualmente. É sua função de fixação.
b) dá um sentido ideológico, permitindo um julgamento a
respeito daquilo que a imagem não pode apresentar de modo assertivo; desse
modo dá instruções ao espectador para interpretar aquilo que vê.
c) ela nomeia aquilo que a imagem só pode mostrar: os
lugares, os tempos, os personagens.
d) acrescenta à narração a possibilidade do discurso
direto por meio da transmissão das réplicas do personagem.
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p. 93
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Efeitos narrativos: a palavra ajuda a construção da
história:
a) as informações verbais contribuem para a formação do
mundo diegético: situando, no tempo e no espaço, as imagens que vemos,
construindo o caráter dos personagens, nomeando os personagens, estabelecem o
quadro de interpretação no qual a história que vemos acontecer parece
verossímil.
[…]
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p. 105
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O espaço é um dado incontornável que não podemos desprezar
quando se trata de narrativa: a maioria das formas narrativas inscreve-se em
um quadro espacial suscetível de acolher a ação vindoura. A narrativa
cinematográfica, quanto a isso, não é exceção. Parece até mesmo ser difícil
conceber uma sequência de eventos fílmicos qualquer que não esteja, sempre,
inscrita em um espaço singular. A unidade básica da narrativa cinematográfica,
a imagem, é um significante eminentemente espacial, de maneira que, ao
contrário da maioria dos outros veículos narrativos, o cinema apresenta
sempre, simultaneamente as ações que fazem a narrativa e o contexto de
ocorrência delas.
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p. 111
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Se partirmos do princípio de que “enquadrar é admitir o
dentro do campo e simultaneamente rejeitar o fora do campo” afirma Gardies
(1981, p. 79), não é, entretanto, espantoso que o fora do campo diegético
tenha, historicamente, sido convocado tão rapidamente para fazer um papel no
mínimo crucial. Campo e fora do campo, espaço presente e espaço ausente.
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p. 115
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A relação da câmera com o espaço é, portanto, de uma
importância muito grande no plano narrativo, já que, como notamos, é graças à
mobilidade da câmera (no duplo sentido da ação de mobilizar, de fazer mexer)
que o cinema desenvolveu boa parte de suas faculdades narrativas. Essa
mobilidade é, aliás, operada a partir de dois parâmetros que devem ser
distinguidos: o deslocamento da câmera entre os planos, tal qual definiremos,
e também o próprio movimento de câmera durante o curso do plano (panorâmica,
travelling). Esses são, certamente, dois parâmetros que têm em comum esse
ganho sobre o espaço, necessário para se obter a flexibilidade narrativa que
caracteriza tão bem o cinema. Mas o primeiro permite realizar uma série de
proposições narrativas difíceis de ser expressas unicamente pelos recursos
dos movimentos de câmera.
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p. 139
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É justamente pelo fato de o filme falado ser uma dupla
narrativa que a ordem temporal é frequentemente uma resultante complexa, que
combina o que é representado visualmente pelos atores e o que é relatado
verbalmente por um narrador.
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p. 142
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Como vimos para analisar um filme, é importante considerar
as analepses (retrocessos no tempo) que ocorrem na linguagem e os índices
temporais fornecidos pela imagem.
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p. 145
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Ao contrário do romance, o cinema articula, como já
dissemos várias vezes, muitas “linguagens de manifestação”. Tal
multiplicidade (assim como, pensando somente na imagem, cores, gestos,
expressões, vestimentas, objetos, etc., ad infinitum), que é além disso,
multiplicada pela pluralidade de materiais de expressão (imagens em
movimento, as menções escritas, os barulhos, as falas e a música), põe o
espectador na presença de uma quantidade importante de signos (e, portanto,
de eventos) simultâneos, de maneira que e simultaneidade das ações diegéticas
está intimamente ligada à sucessividade.
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