Resenha Crítica
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Paulo Santos da Silva
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Referência do Texto:
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RICOEUR, Paul. A
memória, a história, o esquecimento. tradução de Alain François [ et al.].
Campinas: Editora da Unicamp, 2007. p. 155 – 192.
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Palavras-chaves (2):
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Memória; espaço habitado; tempo
histórico; testemunho; arquivo; prova documental.
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Desenvolvimento do Texto:
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O espaço habitado pelo testemunho e o arquivo ao
alcance do historiador
Paul Ricoeur (1913 – 2005), no livro A memória, a história, o esquecimento, tradução de Alain François
[ et al.] (Campinas: Editora da Unicamp, 2007), divide o capítulo denominado
de“Fase Documental: a memória arquivada” (p. 155 – 192) em cinco partes: o espaço habitado; o tempo
histórico; o testemunho; o arquivo e a prova documental. Sobre o espaço
habitado, ele revela que na passagem da memória à historiografia, mudam de signo o destino do espaço, no
qual se deslocam os protagonistas de uma história narrada e o tempo no qual
os acontecimentos narrados se desenrolam (p 156), construindo-se, assim, em
conjunto que o aqui e o lá do espaço vivido da percepção e da ação e o antes
do tempo vivido da memória se reencontram enquadrados em um sistema de
lugares e datas do qual é eliminada a referência ao aqui e ao agora absoluto
da experiência viva (p. 156). Deste modo, para Ricoeur, as lembranças de ter
morado em tal casa de tal cidade ou de ter viajado a tal parte do mundo são
particularmente eloquentes e preciosas. Elas
tecem ao mesmo tempo uma memória
íntima e uma memória compartilhada entre pessoas próximas nessas lembranças
tipos, o espaço corporal é de imediato vinculado ao espaço do ambiente,
fragmento da terra habitável, com suas trilhas mais ou menos praticáveis,
seus obstáculos variadamente transponíveis (p.157). Ele considera ainda,
nessa primeira parte, que a ação entre o tempo “narrado” e o espaço
“construído”, as analogias e as interferências abundam, já que o ato de
configuração intervém de uma e de outra parte no ponto de ruptura e de sutura
dos níveis de apreensão (p. 159). Sendo assim, o espaço é o meio de inscrição
das oscilações mais lentas que a história conhece (p. 162).
No que se refere ao Tempo Histórico, a contribuição do calendário
consiste em uma modalidade propriamente temporal de inscrição, a saber, um
sistema de datas extrínsecas aos acontecimentos (p. 164). Portanto, no que
concerne particularmente ao tempo da memória, o “outrora” do passado
rememorado inscreve-se doravante no interior do “antes que” do passado
datado;simetricamente, o “mais tarde” da espera torna-se o “no momento em
que”, marcando a coincidência de um acontecimento esperado com a grade das
datas por vir (p. 164). O autor ainda mostra que a própria brevidade da vida
humana recorta-se sobre a imensidão do tempo crônico indefinido (p. 164) e
que os episódios registrados são definidos por sua posição em relação a
outros: sucessão de acontecimentos únicos, bons ou ruins, de regozijo ou
aflição. Esse tempo não é cíclico nem linear, mas amorfo; é ele que a crônica
referenciada na posição do narrador relata, antes que a narrativa separe a
história contada de seu autor (p. 165). Ademais, considera Ricoeur, por estar
ligada aos fatos de continuidade/descontinuidade, ciclo/linearidade,
distinção entre períodos e eras, a história não é principalmente confrontada
com a fenomenologia do tempo vivido nem com os exercícios da narratividade
popular ou erudita, mas com uma ordem do pensável que ignora o sentido dos
limites. “Nesse aspecto, o tempo da história procede tanto pela limitação da
imensa ordem do pensável quanto pela superação da ordem do vivido” (síntese
da página 165).
Na terceira parte, O testemunho, na qual é explicitado que o testemunho nos leva, de um salto, das
condições formais ao conteúdo das “coisas do passado” (praeterita), das
condições de possibilidade ao processo efetivo da operação historiográfica;
com o testemunho inaugura-se um processo epistemológico que parte da memória
declarada, passa pelo arquivo e pelos documentos e termina na prova
documental (p. 170). Diante disso, o testemunho não encerra sua trajetória
com a constituição dos arquivos, ele ressurge no fim do percurso
epistemológico no nível da representação do passado por narrativas,
artifícios retóricos, colocação em imagens. [...] Ele resiste não somente à
explicação e à representação, mas até à colocação em reserva nos arquivos, a
ponto de manter-se deliberadamente à margem da historiografia e de despertar
dúvidas sobre a intenção veritativa (p. 170). Tudo isso porque o testemunho é
uma narrativa autobiográfica autenticada de um acontecimento passado, seja
essa narrativa realizada em condições informais ou formais cuja
especificidade do testemunho consiste no fato de que a asserção de realidade
é inseparável de seu acoplamento com a autodesignação do sujeito que
testemunha (p. 172). Para ele, o que se atesta é indivisamente a realidade da
coisa passada e a presença do narrador nos locais de ocorrência (p. 172) e
que esses tipos de asserções ligam o testemunho pontual a toda a história de
uma vida. Ao mesmo tempo, a autodesignação faz aflorar a opacidade
inextricável de uma história pessoal que foi ela própria “enredada em
histórias”. A autenticidade do testemunho só será então completa após a
resposta em eco daquele que recebe o testemunho e o aceita; assim sendo, o
testemunho, a partir desse instante, está não apenas autenticado, ele está
acreditado (p. 173) Enfim, mostra que o testemunho é um fator de segurança no
conjunto das relações constitutivas do vínculo social (p. 174) e que, diante
da estabilidade do testemunho, há a contribuição da confiabilidade de cada
testemunho à segurança do vínculo social na medida em que este repousa na
confiança na palavra de outrem. Gradativamente, esse vínculo fiduciário se
estende a todas as trocas, contratos e pactos, e constitui o assentimento à
palavra de outrem, princípio do vínculo social, a tal ponto que ele se torna um
habitus das comunidades consideradas, e até uma regra de prudência: começar
por confiar na palavra de outrem (p. 174). O crédito outorgado à palavra de
outrem faz do mundo social um mundo intersubjetivamente compartilhado e o que
a confiança na palavra de outrem reforça, não é somente a interdependência,
mas a similitude em humanidade dos membros da comunidade. Cria-se, então, o
intercâmbio das confianças e este especifica o vínculo entre seres
semelhantes. Surge daí, a reciprocidade que corrige a insubstituibilidade dos
atores. Segundo Ricoeur, a troca recíproca consolida o sentimento de existir
em meio a outros homens (p. 175).
Ao comentar sobre o arquivo, esse historiador, diz que o momento do
arquivo é o momento do ingresso na escrita da operação historiográfica. O
testemunho é originalmente oral; ele é escutado, ouvido; já o arquivo é
escrita, que é lida, consultada. Nos arquivos, o historiador profissional é
um leitor (p. 176). E se o testemunho acrescenta traços específicos ligados à
estrutura de troca entre aquele que o dá e aquele que o recebe, o arquivo é
muito mais que um lugar físico, espacial, é também um lugar social (p. 177).
Deste modo, é objeto da disciplina arquivística o “gesto de separar, de
reunir, de coletar” (p. 178) e pelos quais “o arquivo promove a ruptura com o
ouvir-dizer do testemunho oral” (p. 178).
Na última parte, A Prova Documental, faz-se um retorno ao historiador
nos arquivos. Ele é seu destinatário na medida em que rastros foram
conservados por uma instituição com o fim de serem consultados por quem
esteja habilitado a isso (p. 188). Por isso, se um papel de prova pode ser
atribuído aos documentos consultados, é porque o historiador vem aos arquivos
com perguntas (p. 188). Paul Ricoeur, importante filósofo francês, considera
também que se torna um documento tudo o que pode ser interrogado por um
historiador com a ideia de nele encontrar uma informação sobre o passado (p.
189). Ele encerra esse capítulo da obra interrogando se a prova documental é
mais remédio que veneno para as falhas constitutivas do testemunho e diz que
caberá à explicação e à representação trazer algum alívio a essa confusão,
por meio de um exercício medido da contestação e de um esforço da atestação.
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Resenha Crítica "A memória, a história, o esquecimento" de Paul Ricoeur
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