RESENHA CRÍTICA DE "RIZOMA" IN: MIL PLATÔS, DE DELEUZE E GUARTARI; POR AMANDA GASSENFERTH


RESENHA CRÍTICA
Autores da Resenha:
Amanda Gassenferth, mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade pela UNIVILLE
Referência do Texto:
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Rizoma. In: Mil Platôs vol. 1. São Paulo: Editora 34. 2011.
Palavras-chave (3):
RIZOMA, FILOSOFIA, CARTOGRAFIA
Desenvolvimento do Texto:

Gilles Deleuze e Félix Guattari trabalharam  juntos no conjunto de livros que compõem Mil Platôs. Nos cinco volumes questionam a filosofia e apresentam os conceitos como possibilidades de compreender a realidade. Entretanto, nesta resenha o ponto principal a ser exposto é o primeiro capítulo do primeiro volume, intitulado Rizoma.
 O capítulo inicia com a imagem de uma partitura, porém colocada de uma maneira que se destacam as possibilidades e não a ordem arborescente. O texto, escrito a dois e remetem aos autores que  escreveram  juntos e que se colocam sob um pseudônimo, daí propõem a ideia da junção, do uno em vários, ou seja, “Não chegar ao ponto em que não se diz mais EU, mas ao ponto em que já não tem qualquer importância dizer ou não dizer EU. Não somo mais nós mesmos. Cada um reconhecerá os seus. Fomos ajudados, aspirados, multiplicados.” (DELEUZE; GUATTARI, 2011 p. 17)
        Seguindo o pensamento, os autores estabelecem um diálogo, acionando as produções do sujeito(s) pois neste sentido entendem que o livro é movimento, com diferentes velocidades e noções de tempo. Assim, o livro é apresentado como um agenciamento, no sentido de ser um conjunto de relações, porém este quando visto a partir de seu conteúdo, passa a ter uma concepção de agenciamento maquínico. O agenciamento é múltiplo, não é direcionado/estratificado. Um livro não deve ser observado isoladamente, mas sim nas suas transformações e relações.
         Os autores retratam a escrita com a cartografia, propõem um livro-raiz, arborescente, ordenado, onde a arte imita a vida e vice-versa. Este livro tem uma raiz pivotante, direcionada. Logo, considera a multiplicidade, não seguem uma lógica binária. Assim como a raiz fasciculada destrói uma parte da raiz principal para fazer um enxerto há a possibilidade da multiplicidade, com a presença/ausência da raiz principal. No livro de raiz-fasciculada não se rompe com a noção do livro como dual, de um sujeito e objeto.
         Após esta introdução são apresentados os princípios identificadores do rizoma:
- Princípios de conexão e heterogeneidade: um rizoma pode e deve se conectar com outro rizoma, não precisando de um ponto específico, mas de qualquer ponto para conexão. Assim,  se observam as coisas a partir deste conectar, das cadeias semióticas preexistente e das que se formam.
“Num rizoma, ao contrário, cada não remete necessariamente a um traço linguístico: cadeias semióticas de todas as naturezas são conectadas de modos de codificação muito diversos, cadeias biológicas, políticas, econômicas, etc., colocando em jogo não somente regimes de signos diferentes, mas também estatuto de estado das coisas” (DELEUZE; GUATTARI, 2011 p. 22).
- Principio de multiplicidade: a multiplicidade não deve ser uma característica, mas sim um substantivo. A multiplicidade não tem sujeito ou objeto, mas sim diretrizes que mudam e se transformam, a partir das combinações da multiplicidade. Sendo assim, esta se recodifica, não se deixando sobrecodificar. A multiplicidade é plana, recebendo conexões (linhas) diversas. “As multiplicidades se definem pelo fora: pela linha abstrata, linha de fuga ou de desterritorialização segundo a qual elas mudam de natureza ao se conectarem às outras.” (DELEUZE; GUATTARI, 2011 p. 25)
- Princípio de ruptura assignificante: este princípio destaca a importância de não realizar cortes/rupturas significantes que separam ou cruzam a estrutura, afinal, “Todo rizoma compreende linhas de segmentariedade segundo as quais ele é estratificado, territorializado, organizado, significado, atribuído, etc.; mas compreende também linhas de desterritorialização pelas quais ele foge sem parar.” (DELEUZE; GUATTARI, 2011 p.25), isso não significa que ele, o rizoma, não possa ser quebrado, pois ele pode, mas ele se transforma a partir de outras linhas e conexões. Assim como o rizoma pode se romper e formar linhas de fuga, pois as linhas remetem umas às outras, havendo uma possibilidade de se encontrarem novamente. Contudo, não possuindo as mesmas características, dimensões que ressignificam o “significante”.
-Principio de cartografia e decalcomania: o rizoma não é fixo ou estático, assim como não é um modelo estrutural, afinal, o rizoma não é um decalque. Ou seja, ele não pode ser reproduzido igualmente infinitamente. Estas características pertencem a árvore, a raiz pivotante, não ao rizoma. O rizoma, de acordo com os autores, é mapa, possui entradas múltiplas, diferentes, sendo uma performance em si. O mapa permite sair e entrar tanto quanto necessário, que sejam feitas novas conexões. Todavia, deve-se colocar o decalque sobre o mapa, mesmo que o decalque não reproduza o mapa em toda sua complexidade, é uma tradução, onde o movimento e fluxo do rizoma se estabiliza, entretanto, os autores salientam que fazer isto é perigoso, afinal não é uma reprodução do mapa em si. Mas sim uma reprodução que se crer reproduzir algo, quando este é outra coisa, ou ainda, ele mesmo. “O que o decalque reproduz do mapa ou do rizoma são somente os impasses, os bloqueios, os germes de pivô ou os pontos de estruturação.” (DELEUZE; GUATTARI, 2011 p.32)
          Os autores ainda destacam que o pensamento arborescente é hierárquico, logo, pode-se entender que neste sistema hierárquico existe certa dependência entre os níveis/estratos. E que mesmo uma multiplicidade pode ser falsa, quando utilizada como fachada para um sistema hierárquico. Porém de um sistema hierárquico pode vir a surgir um rizoma, assim como um rizoma pode se tornar um sistema hierárquico/arbóreo. Ainda mais se considerarmos que o pensamento/sistema arbóreo, foi predominante no Ocidente em diversas áreas, dentre elas, biologia, assim como filosofia. Para contrapor é recuperado o pensamento oriental, momento em  que é  citado Henry Miller, que compara a China à erva daninha, por levar uma vida sábia. “A erva existe exclusivamente entre os grandes espaços não cultivados. Ela preenche os vazios. Ela cresce entre, e no meio das outras coisas.” (DELEUZE, GUATTARI, 2011 p.40; apud MILLER, 1956 p.49).
         Assim o rizoma não é simplesmente um movimento, mas sim gerador de possibilidades, de transições e  de conexões, de ressignificação e de autonomia; bem como gerador de um mapa que se entra por onde se necessita entrar, mas permanece aberto.
Observações:
A obra permite discussões interdisciplinares entre áreas da comunicação, semiologia, linguística, psicologia, filosofia.




Resenha crítica de "A fotografia entre a morte e a eternidade", de Lúcia Santaella e Winfried Nöth

Resenha crítica do capítulo A fotografia entre a morte e a eternidade, in  "Imagem: cognição, semiótica, mídia" de Lucia Santaella e Winfried Nöth
Autores da Resenha: 
Daniel Machado
Referência do Texto:
Santaella, Lucia; Nöth, Winfried. A fotografia entre a morte e a eternidade. In: Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 2008.
Palavras-chaves (3):
Fotografia, imagem
Desenvolvimento do Texto:

O capítulo A fotografia entre a morte e a eternidade, integra o livro Imagem: cognição, semiótica, mídia, de Lucia Santaella e Winfried Nöth, no qual os autores teorizam questões relacionadas aos signos visuais, partindo de Charles S. Peirce, e buscando meios de fundamentar o exame analítico da imagem como linguagem.
No capítulo em questão, os autores tratam especificamente a fotografia, e iniciam observando as múltiplas formas de abordar este meio de representação visual, o qual, segundo Santaella e Nöth, pode ir desde “um ponto de vista puramente material e técnico” até o ponto mais filosófico, tratando a fotografia “como forma de representação e conhecimento do mundo”. Partindo desta amplitude, os autores traçam um caminho analítico em diálogos com vozes teóricas, que perpassam os aspectos do processo fotográfico, a fotografia como duplo e a fotografia entre a morte e a eternidade.
As análises sobre os aspectos do processo fotográfico iniciam com o fotógrafo como agente, uma questão que segundo os autores é frequentemente investigada. Nesse capítulo, a ênfase se dá à postura do fotógrafo ao fotografar, pautada nos estudos de Flusser, Zunzunegui, Omar e Sontag.
Partindo para o gesto fotográfico, Santaella e Nöth tratam da “magia” presente na gênese da fotografia, tema de análises de inúmeros autores, dos quais Santaella e Nöth destacam os pensamentos de Dubois, Omar, Sontag e Flusser e citam o texto de Julio Cortázar, “Las babas del diablo”, como “uma esplêndida fenomenologia do gesto de fotografar”. O texto de Cortázar traz todo o ato fotográfico, desde sua preconcepção até a observação da fotografia impressa, tratando das angústias do fotógrafo durante o processo.
Sobre o aparelho ou dispositivo como meio, os autores trazem como principal referência os estudos de Vilém Flusser, que aborda a fusão entre fotógrafo e câmera. Na sequência, acerca da fotografia como ato revelado as reflexões de Roland Barthes são recuperadas, principalmente os conceitos de studium e punctum, os quais estão relacionados ao ato de observação da fotografia. Susan Sontag e seus estudos sobre a onipresença da fotografia são recuperados no diálogo por tratar frequentemente do ato revelado.
A fotografia e o referente também entram na análise sobre os aspectos do processo fotográfico, sendo aqui novamente destaque o pensamento que Barthes, seguido pelos pensamentos de Dubois, Metz, Zunzunegui e Sontag, que caracterizam a fotografia como “traço do real”, sendo o conceito de Peirce sobre o caráter icônico da fotografia, base para os pensadores desenvolverem seus estudos sobre o referente fotográfico.
Santaella e Nöth também discutem a distribuição fotográfica, partindo da possibilidade infinita de reprodução a partir de um negativo, fator que segundo os autores talvez seja o salto mais revolucionário dentre as fases da fotografia, promovendo um grande avanço em relação ao modo manual de produzir imagens.  Neste ponto, o texto de Walter Benjamin, “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica” é retomada pelos autores, juntamente com Sontag que analisa o armazenamento das fotografias e Flusser que se dedicou também ao estudo sobre a distribuição da fotografia.
A recepção da fotografia encerra a análise sobre os aspectos do processo fotográfico feita pelos autores, sendo este também o último ponto desse processo. Momento que o texto de Barthes é relembrado por Santaella e Nöth que apontam para os conceitos de studium e punctum, os quais não existiriam sem a recepção fotográfica e sem o receptor. O estudo de Sontag sobre as influências que as fotografias exercem no receptor também é apontado, seguido pelo pensamento de Flusser que assim como Sontag discute a recepção fotográfica do ponto de vista mais social. Benjamin e a questão da quebra da aura na recepção, causada pela reprodutibilidade da fotografia é também suscitada juntamente com Sontag que questiona o pensamento de Benjamin.
A segunda linha de análise percorrida por Santaella e Nöth diz respeito às duplicidades da fotografia, ou seja, aos fatores ambíguos que acompanham o processo fotográfico. Os autores iniciam essa análise considerando a dualidade física/simbólica da fotografia, a qual, ao mesmo tempo em que possui uma relação física com seu referente no momento de sua gênese, passa a ser uma existência simbólica do mesmo.
Na sequência, os autores analisam o caráter único - considerando a geração de um único negativo na concepção da fotografia - em contraponto com o infinito - considerando a possibilidade da geração de múltiplos positivos a partir deste único negativo.
A fragmentação do espaço e do tempo no momento da captura fotográfica tem como oposto a intensificação deste exato momento/lugar, colocado pelos autores como “recorte intensificador”. Este ponto da análise tem grande proximidade com o seguinte, que traz a fotografia como uma “aderência tirânica do referente”, mas que, ao mesmo tempo tem a possibilidade de transfigurá-lo total ou parcialmente.
Outra duplicidade apresentada por Santaella e Nöth é a presença e ausência, considerando que, ao mesmo tempo que a fotografia está ali presente, ela também representa algo que está ausente, é o que Sontag coloca como “pseudopresença” ou “signo de ausência”. Duplicidade que se aproxima da seguinte colocada pelos autores como proximidade e separação e que em muito tem a ver com a última duplicidade apresentada como fusão, atração com o real ao mesmo tempo em que é corte, separação do real.
O terceiro item do artigo apresenta uma análise sobre a fotografia como duplo, afirmando que, ecoando as vozes em diálogo, “a força da fotografia está na duplicação das aparências que ela permite, realizando, ou melhor, aprimorando o desejo humano ancestral de reproduzir o mundo” (p. 130). Aqui os autores apresentam um breve histórico das tentativas de reprodução do mundo realizadas pelo homem, e abrem um subitem para explanar especificamente “a novidade da fotografia”, onde as características distintas deste meio em relação aos outros meios de reprodução imagética são apresentadas, assim como, também as similaridades, principalmente em relação a característica de ser um duplo.
Para fechar esse item, Santaella e Nöth discutem as duas principais linhas de reações causadas pela invenção da fotografia: a euforia causada pela suposta perfeição com que a fotografia representava seu referente, e a disforia “melancólica, profundamente desconfiada e evidentemente crítica”, que normalmente toda nova tecnologia suscita.
O último item deste capítulo traz uma reflexão da fotografia “entre a morte a eternidade”, onde os autores apontam similaridades entre a fotografia e a morte e traçam uma análise sobre a fotografia de pessoas que já não estão mais vivas, confrontando a fotografia com outros meios de reprodução da imagem em movimento, onde a lembrança de pessoas mortas é trazida como se estivessem vivos, diferentemente da fotografia onde os mortos são recordados como mortos.
Outros paralelos com a morte, um tanto mais metafóricos, citados por outros autores são trazido por Santaella e Nöth, como as comparações entre o aparelho fotográfico e a arma de fogo, e a ideia de que o ato fotográfico leva o referente para outra dimensão, que não é mais a do seu espaço e tempo presente, ideia desdobrada em um subcapítulo sobre a promessa de eternidade que a fotografia traz consigo e posteriormente tematizada com o texto La invención de Morel, onde o personagem principal se depara com uma espécie de máquina do tempo que reproduz continuamente com riqueza de detalhes todos os momentos dos habitantes de uma ilha que vivem “presos” à este lapso de tempo.
Por fim, os autores apresentam um pensamento do que seria “uma nova história da fotografia”, pautado nas revoluções digitais recentes que ampliaram consideravelmente as perspectivas do processo fotográfico. Um pensamento que trata principalmente das possibilidades da pós-produção, mas que em geral não é muito aprofundado, provavelmente pelo fato de que na data de publicação do livro, tais avanços ainda eram muito recentes e pouco se sabia sobre os caminhos que essa nova história da fotografia poderia tomar, caminhos que ainda hoje são incertos apesar da popularização da fotografia e da disseminação de sistemas fotográficos presentes principalmente em aparelhos de telefonia móvel.
O capítulo traça um panorama sobre o processo fotográfico, aborda as teorias de duplicidades da fotografia apresentadas de forma sucinta, o que instiga o leitor a buscar maiores informações sobre cada teoria afim de consolidar um pensamento sobre elas. Na proposta da fotografia como duplo, apesar de concordar com os autores sobre ser a fotografia o aprimramento do desejo humano ancestral de reproduzir o mundo, parece equivocada a afirmação de que com a fotografia o ser humano consegue uma duplicidade “nua e crua, reduzida a si mesma, livre de todas as distorções, para melhor ou para pior, impostas pela imaginação, manualidade e manipulação do artista”, considerando que o simples fato de escolher o ângulo de visão e a objetiva com a qual a fotografia seria feita já causaria uma manipulação considerável na imagem, resultada da escolha do artista. É certo que a fotografia foi considerada por anos como uma representação fidedigna do referente, porém, no modo como esse conceito é apresentado no texto de Santaella e Nöth, indica que essa ideia é ainda presente e não foi superada.
O desfecho do artigo, colocando a fotografia entre a morte e a eternidade suscita reflexões sobre o poder da fotografia na manutenção da memória, sendo um artefato que eterniza mas que também pode aprisionar.
Observações:
Grupo de Pesquisa Imbricamentos de Linguagens - CNPQ



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