Síntese Crítica Cap. II O que é Arqueologia. In: ARQUEOLOGIA de Pedro Paulo Funari




Karla Adriana Nascimento Cunico[1]

FUNARI, Pedro Paulo. ARQUEOLOGIA. São Paulo: Ática 1988.

2. O que é a Arqueologia

Delimitação de um campo de pesquisa

            Delimitar o campo de atuação da Arqueologia não é uma tarefa simples, entre os próprios profissionais da disciplina não há consenso, pois esta ciência encontra-se em plena construção. Para Funari (p. 09), “a Arqueologia estuda os sistemas socioculturais, sua estrutura, funcionamento e transformações com o decorrer do tempo, a partir da totalidade material transformada e consumida pela sociedade”. A partir deste conceito partem-se várias discussões, o autor (p. 09) levanta três questões que ao serem respondidas podem delimitar esta ciência:  

          O que estuda a Arqueologia?     
          O que visa a Arqueologia?       
          Qual sua relação com outras ciências sociais?

          O autor retrata a visão tradicional, amplamente difundia entre os próprios arqueólogos, de que o objeto de estudos da arqueologia se resume ao patrimônio material, que basicamente estes profissionais são responsáveis por “esburacamento do solo e a recuperação de objetos antigos” (p. 10). Funari não concorda com esta visão e afirma que “não há uma oposição entre os dois níveis que justifique o estudo apenas das coisas: a cultura refere-se, a um só tempo, ao mundo material e espiritual” (p. 10). Ele ressalta que ultimamente esta ciência tem “alargado seu campo de ação para a cultura material de qualquer época, passado ou presente” (p. 10).
Sobre o objeto de estudo da Arqueologia, Funari (p. 11) conclui que “a Arqueologia estuda, diretamente, a totalidade material apropriada pelas sociedades humanas, como parte de uma cultura total, material e imaterial, sem limitações de caráter cronológico”.
            Quanto à questão: o que visa a Arqueologia? O autor diz “a Arqueologia, partindo dos elementos materiais apropriados pelo homem, visa à compreensão do funcionamento e transformação das sociedades humanas” (p. 12).
            Já o tópico sobre as suas relações com as outras ciências humanas, é complexo e se consolidou como embate entre pesquisadores e profissionais da própria arqueologia com outros da história e da antropologia. De um lado, estão os que afirmam que a Arqueologia é uma disciplina auxiliar que encontra e cataloga objetos materiais oriundos de escavações, de outro se encontram arqueólogos com uma visão mais abrangente daquela ciência “enquanto estudo da porção da cultura material, possui uma práxis e uma reflexão metodológicas próprias, ambas em construções, e cujas características, ainda embrionárias, justificam sua qualificação como projeto de ciência da cultura material” (p. 16).

O cotidiano: o contexto cultural da atividade humana

Neste tópico o autor levanta um importante questionamento, a análise dos objetos materiais sem que seja levado em conta o contexto cultural da sociedade que o criou. Há uma “fetichização dos artefatos, que parecem adquirir independência de seus produtores e usuários” (p. 17). Em contrapartida, “ocorre uma humanização do universo material, ocorre uma reificação (coisificação) das relações sociais, uma alienação da vida social na esfera natural” (p. 17). Funari resume esta importante questão tratando-a como um “paradoxo: que as relações sociais sejam tomadas como fazendo parte da esfera natural e os artefatos, em oposição, adquiram uma trajetória autônoma” (p. 17).

Com o que se depara o arqueólogo: o contexto arqueológico

            Funari, diz que basicamente o arqueólogo trabalha com escavações e que os objetos normalmente encontram-se “mutilados e deslocados do seu local de utilização original” (p. 22). Para tratar do contexto arqueológico, o autor faz uma importante observação ao afirmar que “a Arqueologia nada mais é que uma leitura, um tipo particular de leitura, na medida em que seu texto não é composto de palavras mas de objetos concretos” (p. 22). Neste ponto a ênfase é para a dificuldade desta leitura, “a (in) traduzibilidade do texto arqueológico” (p. 22). Para auxiliar tal leitura há uma

preocupação crescente com a interdisciplinaridade, buscando-se um intercâmbio, quanto ao modo de leitura, com campos de atuação paralelos e complementares. Isto é particularmente válido no que diz respeito à Semiótica, preocupada com os princípios teóricos da comunicação – e, portanto, com a leitura em geral –, mas atinge já outros tipos de leitura, aparentemente distantes da Arqueologia, como a Psicanálise (p. 22).

Os artefatos, índices e mediadores

            Funari reafirma que os artefatos de determinada sociedade remetem as relações socioculturais desta, eles são “sempre índice das relações sociais nas quais foi produzido e apropriado” (p. 22). Tais artefatos (ou indícios) podem ser interpretados já que são “produto do trabalho humano, e, portanto, apresentarem necessariamente duas facetas: têm uma função primária (uma utilidade prática) e funções secundárias (empregos secundários)” (p. 23). Além disso, ele “exerce uma mediação nessas relações, atuando como direcionador de atividades humanas” (p.23).
            Cada sistema social tem seu próprio “universo material” (p. 24), os objetos são usados pelos humanos como auxiliares na divisão social, hierarquização e na consolidação da identidade cultural.

Os objetos arqueológicos na sociedade contemporânea

            Funari, faz uma reflexão sobre artefatos encontrados em escavações arqueológicas e que são (re)utilizados pela sociedade atual, como instrumentos ou como objetos de decoração. Ele cita ainda que “boa parte dos objetos, na medida que não possuem valor material ou cientifico, segundo os padrões sociais vigentes no memento da recuperação, é novamente desativada e transformada em lixo” (p. 24).
            Na mediada que acontece aquela reintegração de tais artefatos, esses “podem adquirir funções ideológicas, tanto no sentido de acobertamento de relações sociais passadas e na sua fetichização como, ao contrário, servindo de elemento de recuperação do passado para uma crítica do presente” (p. 24/25).

Considerações críticas

            Nesse capítulo da obra de Funari, dois tópicos se destacam, o primeiro é a afirmação que o autor faz sobre a “fetichização” dos artefatos, como se os objetos pertencentes a sociedades extintas tivessem vida própria e pudessem ser analisados fora do seu contexto cultural/social. O segundo,  aspecto a ser destacado é que o autor considera a Arqueologia uma linguagem, uma forma de ler o mundo, através da cultura material, assim realiza uma interseção entre a cultura material e sua relação de subjetividade com a sociedade a qual ela pertence.


[1] Mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade – Universidade da Região de Joinville


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