Resenha crítica do capítulo A fotografia entre a morte e a eternidade, in "Imagem: cognição, semiótica, mídia" de Lucia Santaella e Winfried Nöth
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Daniel Machado
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Referência
do Texto:
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Santaella, Lucia; Nöth, Winfried.
A fotografia entre a morte e a eternidade. In: Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 2008.
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Palavras-chaves
(3):
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Fotografia, imagem
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Desenvolvimento do Texto:
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O capítulo A fotografia entre a morte e a eternidade,
integra o livro Imagem: cognição,
semiótica, mídia, de Lucia Santaella e Winfried Nöth, no qual os autores
teorizam questões relacionadas aos signos visuais, partindo de Charles S.
Peirce, e buscando meios de fundamentar o exame analítico da imagem como
linguagem.
No capítulo em questão,
os autores tratam especificamente a fotografia, e iniciam observando as
múltiplas formas de abordar este meio de representação visual, o qual,
segundo Santaella e Nöth, pode ir desde “um ponto de vista puramente material
e técnico” até o ponto mais filosófico, tratando a fotografia “como forma de
representação e conhecimento do mundo”. Partindo desta amplitude, os autores
traçam um caminho analítico em diálogos com vozes teóricas, que perpassam os
aspectos do processo fotográfico, a fotografia como duplo e a fotografia
entre a morte e a eternidade.
As análises sobre os
aspectos do processo fotográfico iniciam com o fotógrafo como agente, uma
questão que segundo os autores é frequentemente investigada. Nesse capítulo,
a ênfase se dá à postura do fotógrafo ao fotografar, pautada nos estudos de
Flusser, Zunzunegui, Omar e Sontag.
Partindo para o gesto
fotográfico, Santaella e Nöth tratam da “magia” presente na gênese da fotografia,
tema de análises de inúmeros autores, dos quais Santaella e Nöth destacam os
pensamentos de Dubois, Omar, Sontag e Flusser e citam o texto de Julio
Cortázar, “Las babas del diablo”, como “uma esplêndida fenomenologia do gesto
de fotografar”. O texto de Cortázar traz todo o ato fotográfico, desde sua preconcepção
até a observação da fotografia impressa, tratando das angústias do fotógrafo durante
o processo.
Sobre o aparelho ou
dispositivo como meio, os autores trazem como principal referência os estudos
de Vilém Flusser, que aborda a fusão entre fotógrafo e câmera. Na sequência,
acerca da fotografia como ato revelado as reflexões de Roland Barthes são
recuperadas, principalmente os conceitos de studium e punctum, os
quais estão relacionados ao ato de observação da fotografia. Susan Sontag e
seus estudos sobre a onipresença da fotografia são recuperados no diálogo por
tratar frequentemente do ato revelado.
A fotografia e o
referente também entram na análise sobre os aspectos do processo fotográfico,
sendo aqui novamente destaque o pensamento que Barthes, seguido pelos pensamentos
de Dubois, Metz, Zunzunegui e Sontag, que caracterizam a fotografia como
“traço do real”, sendo o conceito de Peirce sobre o caráter icônico da
fotografia, base para os pensadores desenvolverem seus estudos sobre o
referente fotográfico.
Santaella e Nöth também
discutem a distribuição fotográfica, partindo da possibilidade infinita de
reprodução a partir de um negativo, fator que segundo os autores talvez seja
o salto mais revolucionário dentre as fases da fotografia, promovendo um
grande avanço em relação ao modo manual de produzir imagens. Neste ponto, o texto de Walter Benjamin, “A
obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica” é retomada pelos
autores, juntamente com Sontag que analisa o armazenamento das fotografias e
Flusser que se dedicou também ao estudo sobre a distribuição da fotografia.
A recepção da fotografia
encerra a análise sobre os aspectos do processo fotográfico feita pelos
autores, sendo este também o último ponto desse processo. Momento que o texto
de Barthes é relembrado por Santaella e Nöth que apontam para os conceitos de
studium e punctum, os quais não existiriam sem a recepção fotográfica e sem
o receptor. O estudo de Sontag sobre as influências que as fotografias
exercem no receptor também é apontado, seguido pelo pensamento de Flusser que
assim como Sontag discute a recepção fotográfica do ponto de vista mais
social. Benjamin e a questão da quebra da aura na recepção, causada pela
reprodutibilidade da fotografia é também suscitada juntamente com Sontag que
questiona o pensamento de Benjamin.
A segunda linha de
análise percorrida por Santaella e Nöth diz respeito às duplicidades da
fotografia, ou seja, aos fatores ambíguos que acompanham o processo
fotográfico. Os autores iniciam essa análise considerando a dualidade física/simbólica
da fotografia, a qual, ao mesmo tempo em que possui uma relação física com
seu referente no momento de sua gênese, passa a ser uma existência simbólica
do mesmo.
Na sequência, os autores
analisam o caráter único - considerando a geração de um único negativo na
concepção da fotografia - em contraponto com o infinito - considerando a
possibilidade da geração de múltiplos positivos a partir deste único negativo.
A fragmentação do espaço
e do tempo no momento da captura fotográfica tem como oposto a intensificação
deste exato momento/lugar, colocado pelos autores como “recorte
intensificador”. Este ponto da análise tem grande proximidade com o seguinte,
que traz a fotografia como uma “aderência tirânica do referente”, mas que, ao
mesmo tempo tem a possibilidade de transfigurá-lo total ou parcialmente.
Outra duplicidade
apresentada por Santaella e Nöth é a presença e ausência, considerando que,
ao mesmo tempo que a fotografia está ali presente, ela também representa algo
que está ausente, é o que Sontag coloca como “pseudopresença” ou “signo de
ausência”. Duplicidade que se aproxima da seguinte colocada pelos autores
como proximidade e separação e que em muito tem a ver com a última
duplicidade apresentada como fusão, atração com o real ao mesmo tempo em que
é corte, separação do real.
O terceiro item do
artigo apresenta uma análise sobre a fotografia como duplo, afirmando que, ecoando
as vozes em diálogo, “a força da fotografia está na duplicação das aparências
que ela permite, realizando, ou melhor, aprimorando o desejo humano ancestral
de reproduzir o mundo” (p. 130). Aqui os autores apresentam um breve
histórico das tentativas de reprodução do mundo realizadas pelo homem, e
abrem um subitem para explanar especificamente “a novidade da fotografia”,
onde as características distintas deste meio em relação aos outros meios de
reprodução imagética são apresentadas, assim como, também as similaridades,
principalmente em relação a característica de ser um duplo.
Para fechar esse item,
Santaella e Nöth discutem as duas principais linhas de reações causadas pela
invenção da fotografia: a euforia causada pela suposta perfeição com que a
fotografia representava seu referente, e a disforia “melancólica,
profundamente desconfiada e evidentemente crítica”, que normalmente toda nova
tecnologia suscita.
O último item deste
capítulo traz uma reflexão da fotografia “entre a morte a eternidade”, onde
os autores apontam similaridades entre a fotografia e a morte e traçam uma
análise sobre a fotografia de pessoas que já não estão mais vivas, confrontando
a fotografia com outros meios de reprodução da imagem em movimento, onde a
lembrança de pessoas mortas é trazida como se estivessem vivos,
diferentemente da fotografia onde os mortos são recordados como mortos.
Outros paralelos com a
morte, um tanto mais metafóricos, citados por outros autores são trazido por
Santaella e Nöth, como as comparações entre o aparelho fotográfico e a arma
de fogo, e a ideia de que o ato fotográfico leva o referente para outra
dimensão, que não é mais a do seu espaço e tempo presente, ideia desdobrada
em um subcapítulo sobre a promessa de eternidade que a fotografia traz
consigo e posteriormente tematizada com o texto La invención de Morel, onde o personagem principal se depara com
uma espécie de máquina do tempo que reproduz continuamente com riqueza de
detalhes todos os momentos dos habitantes de uma ilha que vivem “presos” à
este lapso de tempo.
Por fim, os autores apresentam
um pensamento do que seria “uma nova história da fotografia”, pautado nas
revoluções digitais recentes que ampliaram consideravelmente as perspectivas
do processo fotográfico. Um pensamento que trata principalmente das
possibilidades da pós-produção, mas que em geral não é muito aprofundado,
provavelmente pelo fato de que na data de publicação do livro, tais avanços
ainda eram muito recentes e pouco se sabia sobre os caminhos que essa nova
história da fotografia poderia tomar, caminhos que ainda hoje são incertos
apesar da popularização da fotografia e da disseminação de sistemas
fotográficos presentes principalmente em aparelhos de telefonia móvel.
O capítulo traça um
panorama sobre o processo fotográfico, aborda as teorias de duplicidades da fotografia
apresentadas de forma sucinta, o que instiga o leitor a buscar maiores
informações sobre cada teoria afim de consolidar um pensamento sobre elas. Na
proposta da fotografia como duplo, apesar de concordar com os autores sobre ser
a fotografia o aprimramento do desejo humano ancestral de reproduzir o
mundo, parece equivocada a afirmação de que com a fotografia o ser humano
consegue uma duplicidade “nua e crua, reduzida a si mesma, livre de todas as
distorções, para melhor ou para pior, impostas pela imaginação, manualidade e
manipulação do artista”, considerando que o simples fato de escolher o ângulo
de visão e a objetiva com a qual a fotografia seria feita já causaria uma
manipulação considerável na imagem, resultada da escolha do artista. É certo
que a fotografia foi considerada por anos como uma representação fidedigna do
referente, porém, no modo como esse conceito é apresentado no texto de
Santaella e Nöth, indica que essa ideia é ainda presente e não foi superada.
O desfecho do artigo, colocando
a fotografia entre a morte e a eternidade suscita reflexões sobre o poder da
fotografia na manutenção da memória, sendo um artefato que eterniza mas que
também pode aprisionar.
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